segunda-feira, 3 de junho de 2013

A PROPÓSITO DA INVISIBILIDADE DOS ENFERMEIROS

A PROPÓSITO DA INVISIBILIDADE DOS ENFERMEIROS
Com vista a captar pessoas de gabarito para a Enfermagem, lançou-se uma campanha de comunicação, que salientava a educação das Enfermeiras e o seu domínio das capacidades tecnológicas avançadas. Contudo, na altura, as de relações públicas tendiam a diminuir, ou mesmo  a abandonar, os aspectos do cuidado e conforto da profissão. Ignorando a recomendação de Hart, a visão de que o cuidado tinha de ser republicado, para que o profissionalismo crescesse prevaleceu no slogan de um anúncio dos serviços públicos amplamente divulgado no inicio dos anos  1990. «If caring enough, anyonecould be a nurse».
Estava subentendida a mensagem que que qualquer um podia "cuidar", não havia nada de especial no 'cuidado'  prestado pelas Enfermeiras, mesmo apesar de o público considerar que sim.
Com efeito, o cuidado e o conforto eram a base daquilo que o relatório Hart denominou de "impressionante boa vontade de que as Enfermeiras desfrutam".
O relatório sugeriu que, ao comunicarem com o público,  as Enfermeiras deviam partir da elevada estima de que já gozam, implicando que esta é valiosa, independentemente da sua causa.
Na pressa de promover uma prática avançada de Enfermagem, o 'cuidado' tem sido visto, algumas vezes, como a antítese do profissionalismo, mesmo como um embaraço.
Alguns assessores parecia pensarem que a própria palavra 'Enfermeira' estava manchada.
Um especialista muito conhecido de comunicação e política pública chegou, mesmo,  a sugerir ao conselho directivo de uma das principais escolas de Enfermagem que abolisse a palavra 'Enfermeira', substituindo-a por qualquer coisa de 'novo', que soasse mais profissional.
A falha fatal desta estratégia é que despoja as Enfermeiras da imagem favorável que têm junto do público, sem adicionar uma identidade de Enfermagem mais atraente.
Destrói, em vez de construir, a fundamentação da Enfermagem no trabalho de prestação de cuidados.
Qualquer desconforto que as Enfermeiras possam sentir com a imagem tradicional parece estimular esforços  para transformá-las em tudo menos Enfermeiras.
Contudo, se estas transmitem a ideia de que não há nada de especial na maneira como cuidam e reconfortam os doentes, então essas actividades bem como muitas outras, das chamadas 'tarefas de rotina' , podem ser atribuídas a pessoal auxiliar ou mesmo abandonadas.

Por outro lado, se o desenvolvimento profissional das Enfermeiras assenta no facto de estas assumirem a responsabilidades tradicionalmente associadas aos Médicos, ou aos assistentes, então as Enfermeiras ficam vulneráveis à possibilidade de serem transformadas em médicas menores ou mais baratas ou, mais uma vez, em assistentes dos Médicos.

Pode não haver nada de errado com um pouco de competição e, na realidade, os serviços dos cuidados de saúde apresentam sobreposições. Mas para as Enfermeiras, é  importante não ser o eco de outras profissões. A primeira tarefa das Enfermeiras é ajudar o público a construir um significado autêntico da palavra ENFERMEIRA que transmita a riqueza, a singularidade, a indispensabilidade da Enfermagem em todo o espectro do seu trabalho. Isto não significa repudiar o 'cuidado' ao reconvertê-lo em simples  intuição ou em algo de vulgar, mas sim aprofundar o entendimento do público do 'cuidado' como uma parte inerente à Enfermagem, que é complexa e requer determinadas capacidades e que é essencial ao cuidado dos Doentes.

É claro que algumas pessoas baseiam a impressão favorável que têm das Enfermeiras, nas suas experiências, em primeiro lugar. Mas as experiências individuais não se traduzem automaticamente, num maior apoio público da Enfermagem.
Muitos indivíduos elogiam as Enfermeiras, mas não exprimem publicamente qualquer preocupação, quando a Enfermagem é ameaçada. A não ser que as Enfermeiras ajudem a relacionar a Profissão com o grande quadro dos cuidados de saúde, é provável que considerem o 'cuidado' , que prestam, como uma transição privada,  em que a gratidão expressa em privado, é recompensa suficiente.

É por estas razões que o grande público necessita de saber o que é que as Enfermeiras fazem, hoje, e por que motivo o seu trabalho e tão essencial. 
Os indivíduos em posição de influenciar a lei, a tomada de medidas e o financiamento têm de saber que ambientes de cuidados de saúde ricos em Enfermeiras, promovem níveis de cuidados de saúde elevados, enquanto que instituições com falta de pessoal, colocam os doentes em risco. Estes necessitam de estar conscientes das tragédias incipientes que aguardam os doentes, quando não estão presentes  as Enfermeiras, para prevenir quedas, complicações, erros de tratamento e de cuidado, ou para 'salvar' os doentes, quando necessitam. 
Estes indivíduos precisam que se lhes indique a miríade de formas através das quais as Enfermeiras salvam a vida e a saúde dos Doentes em risco.
Todas estas pessoas precisam de participar nas discussões  em que se desfiam os estereótipos simplistas das Enfermeiras. O público, em geral, e os indivíduos em posição de exercer influência necessitam de saber que, quando as Enfermeiras trabalham em excessos sob stress todos os aspectos da qualidade dos cuidados são, inevitavelmente, afectados.

 Têm de compreender que, hoje, dezenas de milhares de Enfermeiras dos EUA e do Canadá trabalham em condições que ameaçam tanto a saúde dos doentes, como a das próprias Enfermeiras. Todos têm de entender que o envelhecimento da nossa sociedade e o aumento das doenças crónicas exigem mais mão-de-obra de Enfermagem, mas que faltam actualmente recursos financeiros e humanos para constituir essa mesma mão-de-obra.
Estamos rodeados de provas em como a Enfermagem é pouco conhecida e mal compreendida.

Vemo-las, quando os Administradores e os consultores hospitalares persistem em argumentar que a distribuição de ‘tarefas’  de Enfermagem por diversos trabalhadores é equivalente, ou sequer próxima, a colocar o cuidado do doente, nas mãos de Enfermeiras graduadas.
Vemo-lo, quase todos os dias, nos meios informativos e noutras discussões públicas, sobre os cuidados de saúde.
Por exemplo; em 1999, os meios noticiosos cobriram extensamente o problema dos erros ‘Médicos’, nos EUA. Motivou esta cobertura um relatório da National  Academy of Sciences Institute of Medicina, que afirmava que os erros médicos poderiam ser responsáveis por 98.000 mortes em hospitais dos EUA, por ano. Este relatório, que reclamava a criação duma nova agência federal, para lidar com o problema, despoletou um ciclo de coberturas noticiosas, invulgarmente longo.

Além de cobrir os principais pontos do relatório, as histórias, análises e caracterizações noticiosas exploraram os tipos de erros que conduzem a mortes e ferimentos em hospitais e o que é que pode ser feito para reduzir a sua incidência. Muitas histórias centraram-se sobre problemas específicos a confusão que resulta quando medicações diferentes têm os mesmos nomes ou embalagens, os erros que ocorrem nas salas de operações, as falhas nos procedimentos hospitalares, os elos fracos da vigilância hospitalar e mesmo os erros que resultam da caligrafia indecifrável dos médicos. Na sua maioria, os entrevistados sobre estes problemas foram médicos. {Juízes em causa própria. Falta distanciamento do promotor do erro},

Parecia que os meios informativos só conseguiam produzir história sobre história acerca deste tópico, sem uma contribuição significativa da parte das Enfermeiras. Sim, exceptuando algumas referencias ocasionais, as Enfermeiras estavam ‘desaparecidas em combate’, durante esta discussão muito importante nos meios da comunicação.
Na cobertura que monitorizámos, as Enfermeiras não estavam entre as fontes especializadas, que descreviam as práticas e nas organizações do sistema, que provocavam os erros médicos.

As organizações de Enfermagem não apareciam entre os grupos citados como estando a trabalhar no sentido de os corrigir. As Enfermeiras não eram visíveis, efectuando uma ligação, entre a falta de pessoal e a probabilidade de erros danosos. Na maior parte dos casos, nem se citavam as Enfermeiras como estando preocupadas com o problema.
Tão-pouco vimos séries de cartas ao editor ou artigos de opinião escritos por Enfermeiras, sobre este problema.

Algumas Enfermeiras com quem falámos estavam aliviadas por se falar tão pouco nelas. Sentiam-se com sorte, mas para variar, pelo contrário, os médicos eram mostrados como o eixo da roda hospitalar e elas apenas ficavam como uma pequena engrenagem. Afirmaram que; se os jornalistas conhecessem o verdadeiro papel que desempenham no hospital, as Enfermeiras ficariam com uma parte significativa da culpa dos erros.

Algumas Enfermeiras pensaram que ser invisível era uma vantagem.

De facto. É uma responsabilidade séria. Um tema de saúde que se torna tão público oferece às Enfermeiras e às organizações de Enfermagem uma hipótese de mostrar que a Enfermagem interessa.

Na cobertura constante dada aos erros ‘médicos’, foi reforçada a noção errónea de que eram os médicos os únicos profissionais de saúde significativos.
O que eles fazem é importante, implicava esta cobertura.
O que eles fazem interessa. São indispensáveis.

São tão importantes que os seus erros, bem como os seus êxitos, são uma questão pública que merece um escrutínio sério.

Ninguém propôs que; já que os médicos pareciam estar envolvidos em tantos erros, deviam ser despedidos dos hospitais e os seus cargos entregues a outras pessoas. Com efeito, o relatório do Instiute of Medicine esforçou-se imenso para evitar a conclusão de que os médicos, quer como indivíduos, quer como grupo, eram culpados.A maioria dos erros médicos não resulta de irreflexão individual, mas de falhas básicas, na forma como o sistema dos cuidados está organizado”, declara o relatório.

Ao colocar o problema desta forma, o Instituto deixa a porta aberta para os médicos serem considerados parte da solução e não como o problema. Em peças noticiosas posteriores, qualquer ‘MD’ (Medical Doctor), após o nome partilhava as suas reflexões e opiniões sobre a forma de remediar a situação. As pessoas com ‘RN’ (Enfermeira Registada) não.
A ironia é que constituindo a Enfermagem uma parcela muito pequena da cobertura dos erros médicos, não escapou totalmente à culpa. 

Por exemplo; uma forma proposta para reduzir os erros na medicação era dar aos farmacêuticos, não às Enfermeiras, a responsabilidade de misturar todos os ingredientes dos fármacos. Isto implicava que as Enfermeiras eram responsáveis por muitos erros de medicação.
Em casos pontuais, as Enfermeiras eram ainda mostradas como participantes nos casos que tinham tido problemas. Contudo, embora as Enfermeiras tenham experiência pertinente em erros hospitalares e na sua prevenção, nunca apareceram como fontes especializadas ou comentadores sobre este assunto.

Mantendo-se silenciosas na discussão nos meios de comunicação, as Enfermeiras perderam a oportunidade de se mostrarem {relevantes} na prestação de cuidados de saúde. No momento, os médicos são os únicos que detêm esta imagem. Quando estão envolvidos numa taxa elevada de erros médicos, tornam-se mais, e não menos importantes.
É por isso que um grupo prestigiado ‘ constituído quase exclusivamente por médicos’ efectuou recomendações vitais para diminuir a probabilidade de ocorrência de erros médicos. [Onde é que já vimos este estilo!?]
Mais uma vez, isto prova que a Enfermagem necessita de uma maior presença pública, como profissão de relevância. Uma forma de alargar a presença da Enfermagem é o aproveitamento por parte das organizações de Enfermagem e das próprias Enfermeiras das aberturas proporcionadas pelo interesse dos meios de comunicação nas questões de saúde.
Neste caso particular, os erros médicos ofereceram uma plataforma pública para as Enfermeiras descreverem como o pessoal de Enfermagem é essencial para esta questão. A cobertura teria sido reforçada pelas Enfermeiras, ao falarem de quais os protocolos que poderiam evitar a medicação trágica e os erros cirúrgicos arrepiantemente descritos pelos meios de comunicação. 

Uma discussão da forma como as Enfermeiras mantêm os doentes em segurança verificando os 5 CC:
1 . Doente certo,
2 . medicação certa,
3 . dose certa,
4 . via certa,
5 . tempo certo.

E do que acontece, quando as unidades têm tão pouco pessoal que as Enfermeiras não conseguem passar o tempo suficiente com o doente, teria acrescentado pormenores realistas a estas histórias.

Uma análise do que acontece aos procedimentos de segurança, quando estes falham porque as Enfermeiras do perioperatório são retiradas das unidades de cuidados cirúrgicos teria proporcionado uma leitura interessante, na imprensa.

As Enfermeiras não podem dar-se ao luxo de serem omitidas das discussões públicas  sobre esta ou outras questões relativas ao cuidado dos doentes, em geral.

A Enfermagem não pode ser considerada uma profissão relevante, para os cuidados de saúde se não for visível e se não exprimir as suas opiniões em todas as grandes questões que envolvem os cuidados de saúde contemporâneos.

Como é que as Enfermeiras podem acabar com o silêncio que rodeia a Enfermagem?

O 1º passo é compreender que só as Enfermeiras podem informar verdadeiramente o público sobre a Enfermagem.

O 2º passo é que cada Enfermeira torne a comunicação pública e a educação sobre a Enfermagem, uma parte integrante do seu trabalho.

O 3º passo é as Enfermeiras ultrapassarem os obstáculos internos que as silenciam.

Se as Enfermeiras se empenhassem em seguir estes 3 passos, cremos que, rapidamente aumentariam a sua visibilidade e notariam melhorias na forma como a sua Profissão é vista. 

É óbvio que não podemos garantir que estas acções ofereçam às Enfermeiras tudo o que desejam. O que nós podemos garantir, contudo, é que as Enfermeiras obterão muito pouco do que desejam se não realizarem estas acções.

Pode parecer que se está a pedir muito, o que em muitos aspectos é verdade. Felizmente, nesta altura crucial, as Enfermeiras possuem:
os meios,
 a motivação
e a oportunidade de o tornar realidade!]  (In "Dar Voz ao Silêncio").

Os enfermeiros precisam de reflectir muito seriamente sobre estes temas pois são peças esquecidas que o dia-a-dia não deixa tempo para analisar e pensar, nem que seja, por breves instantes em matéria que permitiu a outros que já vão à frente de nós na importância e imprescindibilidade.
Nós já somos isso e muito mais, porém as organizações dos serviços, comandadas pelos mesmos não deixam margem de manobra para actuarmos sem ser com uma dose razoável de pressão e conflito, para que quem de direito, e sobretudo o Povo repare em nós e no que fazemos e na importância que temos no cuidar de doentes.
Estas reflexões servem para pensar nos desvios de que somos vítimas, ao cultivarmos os frutos que os outros comem.
Se fossem figos, andávamos sempre com os lábios rebentados, pois como o Povo diz: [uns comem os figos e outros é que lhes rebenta a boca]


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