quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

PRÓS E CONTRAS

Prós e contras sobre a Saúde

Prós e Contras: um debate que acabou submerso num fátuo ‘guarda-chuva’…
O debate no programa da RTP ‘Prós e Contras’ sobre o SNS mostrou, desde logo, como um fórum de análise se pode transformar numa ‘mixórdia’ de opiniões. De facto, perante o que estava em discussão não se conseguiu ultrapassar uma tímida tentativa de abordagem acerca de um sistema que agoniza na sua universalidade (mais de um terço dos cidadãos ou desfrutam de subsistemas ou de seguros de saúde) e na outra vertente deste ‘serviço’, a acessibilidade, são conhecidos – diariamente - rupturas, barreiras e escândalos.
Voltemos ao debate.
Um dos lados, ao proceder à análise objectiva das consequências dos cortes orçamentais no sector da saúde não conseguiu demonstrar cabalmente as consequências directas, ficando-se muitas vezes pelo intangível.
O outro lado apostado em defender ‘à ultrance’ as políticas sociais governamentais envolveu-se num retórica balofa com resquícios de soluções ‘pret à porter’.
Espantoso, em todos estes debates à volta do SNS, é não aparecer ninguém com coragem (política) de, em público, advogar o fim do SNS e a sua substituição por um ‘modelo americano’, ao estilo ‘tea party’. Mas, todavia, esses portugueses existem e não será difícil enxergá-los na proximidade dos centros de decisão. Só que esse discurso não aparece – por enquanto – por vergonha e receio de consequências políticas e quando aflora apresenta-se travestido em volta de insondáveis e anacrónicas medidas ditas de ‘reforma’. Melhor dizendo para ser mais fiel ao tradicional armamentário ideológico neoliberal usado nestas situações: ‘reformar com vista a garantir sustentabilidade’.
No referido programa foi possível ver e ouvir de tudo um pouco.
Começando pelas (boas) intervenções.
Prof. Constantino Sakellarides tentou abordar e explicar as oscilações dos indicadores estatísticos de saúde que surgem, ainda, camuflados a nível nacional mas têm já um rebate bem visível nas regiões onde o rendimento per capita é mais baixo. Aliás, as intervenções do professor estavam facilitadas pela intuição pública onde grassa a convicção que o edifício do SNS começou a oscilar e ameaça derrocada manifestada na qualidade das respostas e acessibilidade. Toda a gente sabe que quando se analisam estatísticas em saúde em termos de sustentabilidade financeira e de eficiência partindo unicamente do PIB bruto sem observar cuidadosamente o PIB per capita é impossível encontrar a realidade, detectar as assimetrias e perceber as desigualdades. Com o seu meritório esforço pedagógico o professor perdeu imenso tempo a pregar no deserto. O que num programa com as enviesadas características do ‘Prós e Contras’ é fatal.
Transitando para intervenções eivadas de lugares comuns e algumas banalidades surge Álvaro Belezacom soluções aparentemente consensuais, mas pouco trabalhadas e desenvolvidas, como as que recentemente promoveu no seio do ‘Conselho Nacional de Saúde’ onde pretendeu auscultar uma multidão de intervenientes (através das ordens profissionais e de associações de doentes). Na realidade, nenhuma proposta, nenhum caminho, relativo a modelos de [re]organização (o termo ‘reforma’ foi gasto e pervertido por este Governo), nos diferentes vectores que estão sob a mira dos utentes e dos profissionais de saúde (hospitais, cuidados primários, urgências, etc.). Mais não fez do que personificar o vazio da liderança de A. J. Seguro que, quando quer entrar no terreno da realidade e das propostas concretas, invariavelmente, claudica.
Do outro lado, a vulgaridade foi personificada pelo Prof. Manuel Antunes, indubitavelmente um cirurgião cardíaco de elevado mérito, mas um profissional que dentro do SNS sempre usufruiu de um regime excepcional e convive com ‘situações privilegiadas’, nomeadamente no campo contributivo que nunca vêm a talhe de foice. Na verdade, a transição entre o bom profissional e o ‘teórico das políticas de saúde’ está sujeita a muitos percalços. Não basta escrever livros onde enigmas e suposições são avulsamente encadeados e misturados (‘A Doença da Saúde’) para se tornar uma autoridade ou uma referência na matéria. Aliás, o Professor que ao longo do programa revelou ter forte afeição pela ‘ciência baseada na evidência’ não resistiu a citar os estafados 25% de desperdício do SNS que, como sabemos, partiu da ‘boutade’ de um auditor do Tribunal de Contas e que tem feito incessante caminho (à margem de todas as evidências) para atacar o SNS.
Ainda deste lado da barricada o ‘laureado’ presidente do CA do CHUC assumiu as honras da casa e prestou ao Governo as devidas mordomias. Voltou a endereçar os louros aos profissionais do seu Hospital em jeito de salamaleque mas não se coibiu de incensar e enfatizar as políticas governamentais, nomeadamente reformas párias ou inexistentes e de perante o espectro de evitar a claudicação interna (o que estava em discussão), anunciar a aposta numa ‘internacionalização’ (‘externalização’) errática e ‘turística’, indiciando uma fuga em frente sob os escombros de insuportáveis atropelos à acessibilidade. A sua saga laudatória chegou ao cúmulo de apressar-se esgrimir como argumento para salientar todos os poucos êxitos e aliviar todos os muitos desaires e resolveu afinar o discurso pelo diapasão ‘situacionista’, citando – totalmente a despropósito - o laudatório artigo do Finantial Times. Nesse momento tivemos à nossa frente um ‘herói’, preconício e sem surpresas. E está tudo dito. Como se não bastasse este painel há ainda que considerar as intervenções da plateia.
Para além dos diversos Bastonários (OM, Farmacêuticos e Enfermeiros) que pouco acrescentaram à discussão e ao que repetidamente têm denunciado, será de registar a esclarecida e oportuna intervenção da presidente da APAH, Marta Temido que, mostrou clarividência e sentido de responsabilidade ao avisadamente conotar as oscilações de indicadores que estão a ser detectadas no terreno e nos resultados como importantes ‘sinais de alerta’. Ao denunciar os contornos do pretenso ajustamento do SNS - segundo o Ministro feito à custa de uma ‘eficiente’ política do medicamento – que em larga medida não poupou os profissionais de saúde, cujos vencimentos (suplementos e horas extraordinárias) foram literalmente ‘esmagados’ e cujas carreiras estão à largos anos ‘congeladas’, representando um factor de desmotivação que tem sido sistematicamente escamoteado, esteve bem.
Finalmente, e para rematar foi possível ouvir neste programa o inimaginável. Perante presumíveis e citadas oscilações de indicadores de saúde (como a tuberculose e taxa de mortalidade infantil) ouvimos e vimos o Director-Geral da Saúde tirar do bolso números referentes a 2013 (não oficialmente divulgados) para ‘calar’ a discussão e intimidar (alguns) intervenientes. Apresentou-se como o ‘fiel’ dono e feitor das estatísticas. Um autêntico ‘malabarista epidemiológico de ocasião’ que, felizmente, o Prof. Sakellarides teve oportunidade de desautorizar (para quem quis ouvir). De facto, no site da DGS (Portal da Estatística), editado 7 dias após o debate (em 22.02.2014), a taxa de mortalidade infantil referenciada é de 3,4/1000 nados vivos. Ora, em Coimbra, o Sr. Director-Geral afirmou ‘já saber’ que em 2013 essa taxa será inferior a 3/1000 nados vivos. Com esta sonegação de dados estatísticos toda e qualquer discussão está à partida viciada. Mas é neste País que vivemos (os que ainda não conseguiram emigrar).
Resumindo: Estamos num ‘estado’ em que o SNS não cabe na simplista barricada de prós e contras. Os ‘contras’ (aqueles que apostam no desmantelamento do SNS) julgam que este [ainda] não é o momento de dar a face. Por ora estão empenhados em esconder ou mascarar com aleivosias os resultados dos cortes orçamentais no SNS, para denodadamente prosseguir o ‘seu’ trabalho.
Na realidade, a intervenção política da noite teria sido a do ‘pai do SNS’, ao denunciar a saga de destruição do Estado Social, como programa político e ideológico deste Governo. Teria rematado em beleza (ou em socorro do ‘outro’ Beleza) este programa se acaso não tivesse optado por tentar abrigar o SNS debaixo de um fátuo guarda-chuva, personificado pelo gestor Paulo Macedo que, estranha e inusitadamente, considerou ser ‘um travão’ à desvairada ‘fúria neoliberal’ deste Governo.

E-Pá!

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