quarta-feira, 30 de julho de 2014

REFLEXOS DOS MEIOS TURNOS [ III ]

CÁ SE FAZEM CÁ SE PAGAM:

Vejam como o tempo muda as pessoas!
Ontem as urgências, emergências, catástrofes eram imprevisíveis."Nenhum dia era igual ao outro"; e não é, mesmo.
Mas com 26 anos de treino já consegue prever tudo, ou quase tudo...

A voz do Enfermeiro Chefe do Serviço de Urgência Central,
Enfermeiro Carlos Neto

[O Senhor Enfermeiro Chefe Carlos Neto, um dos oitenta e oito profissionais que em 2011 completaram um quartel das suas vidas ao serviço do Hospital de Santa Maria, confessou-nos que o trabalho no Serviço de Urgência Central requer muita abnegação e… algumas lágrimas bebidas…
Foi com palavras simples mas assentes na verticalidade que o Enfermeiro Chefe do
Serviço de Urgência Central, Enfermeiro Carlos Neto, respondeu à nossa primeira
pergunta, se tinha presente o primeiro dia daquele já longínquo mês de Março de 1986
em que iniciou as suas funções no Hospital de Santa Maria: «Tenho uma vaga memória
desse famigerado dia, todavia recordo-me de estar um tudo-nada ansioso. Era muito
jovem; tinha terminado o Curso; era o primeiro emprego; ambiente diferente; pessoas
que não conhecia, enfim, situações compreensivelmente constrangedoras, mas o muito
querer aliado à vontade que me movia, ajudaram-me a subir todos os degraus da
escadaria que guardava a porta de acesso à carreira de Enfermagem».
Com o olhar colado ao passado, o Enfermeiro Carlos Neto recordou: «Comecei por
trabalhar no Serviço de Urgência Central e por dois períodos distintos e muito curtos
também exerci no Serviço de Ortopedia e no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica.
10 Entretanto regressei ao Serviço de Urgência, onde desde 2007 desempenho o cargo de
Enfermeiro Chefe».
Supostamente que no Serviço de Urgência Central do maior Hospital do País se vivem
quadros, sob o ponto de vista humano, de todo indescritíveis, o que nos levou a instar
este profissional de enfermagem se existe algum mecanismo em que nos momentos
mais dilacerantes o homem dispa o fato de Homem e vista a bata de Enfermeiro. Feita
uma quase imperceptível pausa, o Homem Carlos Neto respondeu-nos com cinco
sentidas palavras: «Muita abnegação e algumas lágrimas bebidas».
E mais palavras para quê?!
Talvez um dia o Enfermeiro Carlos Neto leve ao prelo um livro de memórias dos seus
vinte e cinco anos até agora vividos no Serviço de Urgência Central do Hospital de Santa
Maria.] E com o método de espantar fantasmas imprevisíveis, digo eu.



NB: Como é possível um chefe mudar de opinião ao sabor das circunstâncias?
Se ontem pensava que o Serviço de Urgências de qualquer hospital, mormente o de Hospital de Santa Maria: «Não há dias nem horas aqui, de repente cai o Carmo e a Trindade, diz Carlos Neto, o enfermeiro-chefe da Urgência de Santa Maria, onde trabalha há 26 anos. "É preciso gostar para se trabalhar aqui".
Têm de saber olhar para o doente, avaliá-lo...Este doente não está bem." É um complemento do trabalho do médico. [Ou é o contrário?, digo eu]. "Por vezes muito stressante, quando há situações graves e muitos doentes para atender. Às vezes muito gratificante; às vezes muito ingrato, diz Carlos Neto. [Aqui está uma verdade "lapalissiana": o general antes de morrer estava vivo. Também, no serviço de urgências, quando não há clientes, nem parece urgências, a situação é gratificante, quando há muitos e graves, presumo que é aí que entra o "muito ingrato", penso eu... 
Ora, seguindo a lógica clássica, se a experiência nos vai ensinando a corrigir os erros, como acontece com o especialista, que o Guadalupe detesta, mas mesmo assim, é o que já não comete erros; este chefe, com 26 anos de treino de urgências, à data destas sábias e oportunas declarações, onde nem sequer falta o óbvio, mudou o seu conceito de urgência, onde tudo é previsto e previsível a ponto de dispensar os Enfermeiros... para irem dormir a casa e, amanhã, quando houver justiça equitativa, serão mesmo os Médicos dormentes a seguir-lhes o exemplo, neste novo conceito de "urgências/emergências/catastrofências."
Mas, segundo a mesma lógica, estamos, podemos estar, ao que tudo indica, em presença de um método grosseiro de constituir um mealheiro de horas a usar, em sobrecarga, em vez de horas de repouso ou pagas, como extraordinárias.
Agora, reparem na dualidade de critérios:
Os Médicos dormem no Hospital com o subido argumento de que têm de estar próximo dos acontecimentos, caso ocorressem, embora se saiba por experiência, que não rejeitam uma boa soneca e mandam os Enfermeiros, aguentar a situação, até ao nascer do sol, quando há situações de urgência; (na Holanda e na Austrália, que é grande, grande, já não têm médicos em presença física, por isso como faria bem a este enf.º chefe tirar o modelo para o aplicar nas suas previsões previsíveis...).
Em contraste, os Enfermeiros vão dormir meio turno a casa, porque segundo as capacidades oraculares do enf.º chefe, exarado uma espécie de boletim das previsões, não vai acontecer tragédia.
Então por que ficam os médicos a ressonar no Hospital, se sem Enfermeiros, que segundo o Enf.º chefe, são "um complemento do trabalho do médico", o médico, agente da passiva, sem o "seu" complemento da activa, não funciona.
Então por que não segue o médico o seu respectivo complemento, dado que este foi dormir a casa, com a garantia segura, dada pelo seu chefe, de que isso de urgência é uma treta; uma inventona da reacção?
Por que hão-de pretender estar sempre a diferenciar os funcionários médicos e não os consideram iguais?
Que diabo: o paradigma da "Assistência" nas Misericórdias, já passou à história!
Isto decorre da mais básica lógica de raciocínio.
O Ministro da Saúde, ainda tem muito, onde aperfeiçoar, podando, rumo às poupanças. Isto, claro está, se não estiver, sempre virado para o lado dos Enfermeiros, como tem estado. 
Fomos tentar falar com o nosso herói, mas só podia receber-nos amanhã.
Mas amanhã, temos de ajudar os Colegas de Chaves e é outro dia.
Ficamos alegres e esperançosos por vermos algumas colegas, abrirem os braços, como se de asas se tratasse e respirarem fundo este vento Norte, disseram, que fustigava com uma brisa diferente, os problemas que emergem, habituadas, que estavam, ao vento suão.

Com amizade
José Azevedo
Estive lá < clique para ver foto do lado de cá da porta





NENHUM DIA É IGUAL A OUTRO" (?????)

Reportagem: do lado de lá da porta da Urgência

As ambulâncias estão sempre a chegar à Urgência do Hospital de Santa Maria NUNO FERREIRA SANTOS






Há uma médica ucraniana que o “destino mandou para Portugal”, um enfermeiro que se habitou a “pensar rápido e a agir ainda mais rápido”, uma assistente social sempre à procura de soluções para os problemas mais diversos, um auxiliar licenciado em jornalismo, um vigilante que foi escriturário e futebolista. Eles estão para lá das portas que se fecham assim que mais um doente entra na urgência do Hospital de Santa Maria.
Uma ambulância estaciona à porta do serviço de urgência. Estão sempre a chegar. Esta vem de Peniche. São quase 20h00. Fernando Sousa, 35 anos, coordenador da equipa de 18 enfermeiros (dez mulheres e oito homens), que se encontra no segundo turno do dia, já estava à espera deste doente. Início de acidente vascular cerebral, 70 anos, “via verde AVC”. Quer isto dizer que vai beneficiar de uma intervenção urgente para tentar libertar o trombo e desentupir a artéria. Se se conseguir, pode ser que a situação se torne reversível.
O homem chega consciente mas confuso, o lado esquerdo do corpo paralisado. É preciso fazer análises e uma TAC (Tomografia Axial Computorizada) com urgência para confirmar que se trata de um AVC isquémico, antes de começar o tratamento designado de trombólise usado para dissolver o coágulo, que deve ser realizado no espaço de seis horas desde que os sintomas se instalaram.
A médica neurologista Ruth Geraldes é chamada de urgência e observa o doente. “A que horas é que isto começou? Levante a perna”, pede. “Vamos embora depressa”, diz ao enfermeiro que empurra a maca para um elevador até gabinete onde o doente vai fazer a TAC. No corredor há uma mulher a chorar silenciosamente e outra que se dirige ao enfermeiro a protestar: “Afinal onde é que eu vou buscar as roupas do meu marido? Há meia hora que ando aqui e me mandam de um sítio para outro… Isto realmente…” “Pergunte ali àquele senhor”, responde o enfermeiro, apontando para um auxiliar, enquanto continua a empurrar a maca. Agora ele não pode parar. Está numa corrida contra o tempo.

Os enfermeiros
Fernando Sousa, enfermeiro há 13 anos, tem um turno de oito horas pela frente. Passa pela sala de aerossóis para onde são encaminhados os doentes com dificuldades respiratórias. Passa pela pequena cirurgia, pela sala de tratamentos, pelo Serviço de Observação (SO). E vai atendendo o telemóvel que toca permanentemente a pedir instruções, a passar informações. Como coordenador da equipa de enfermeiros, compete-lhe fazer a gestão dos recursos humanos e do material necessário para as necessidades que vão surgindo.
Chega nova ambulância do INEM. Traz uma mulher idosa. Vem com dificuldades respiratórias, uma máscara de oxigénio. Atrás, vem outra mulher, feições semelhantes, ansiosa. É a filha que a vem acompanhar. O médico esclarece-a sobre o seu estado. Uma enfermeira explica-lhe que a mãe vai ficar internada no SO. Lá fora, há doentes à espera de ser atendidos há quase duas horas. O Serviço de Urgência “é muito desgastante” mas é o que Fernando Sousa gosta de fazer . “Nenhum dia é igual a outro, tem de se ser rápido. Pensar rápido, agir rápido, está a ver? E há o imprevisto”. “Não há dias nem horas aqui, de repente cai o Carmo e a Trindade”, diz Carlos Neto, o enfermeiro-chefe da Urgência de Santa Maria onde trabalha há 26 anos. “É preciso gostar para se trabalhar aqui”.
Os enfermeiros circulam pelos corredores, transferem os doentes das macas, dão-lhes medicamentos, monitorizam-nos, fazem pensos, injectam, algaliam. “Têm de saber olhar para o doente, avaliá-lo… Este doente não está bem”. É um complemento do trabalho do médico. Por vezes, muito stressante, quando há situações graves e muitos doentes para atender. Às vezes, muito gratificante, às vezes muito ingrato, diz Carlos Neto. [o sublinhado colorido é nosso]
“É preciso ir para o hospital?”, pergunta o doente que entrou com o quadro de AVC, já no SO enquanto o enfermeiro lhe injecta o medicamento para dissolver o trombo sob a vigilância do médico. “O senhor já está no hospital, no hospital de Santa Maria”, esclarece outra enfermeira. “Agora, vamos ficar sempre a fazer-lhe perguntas, sim?”

As assistentes sociais 
Por dia, dizem os números, cerca de 600 pessoas são atendidas no Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria, o maior do país. A grande maioria não precisava de recorrer às urgências, mas apenas a um centro de saúde. Destes, apenas vem referenciada uma pequena percentagem, revelam igualmente os números disponíveis. O Serviço de Urgência é também uma porta aberta para os problemas sociais. Uma parte das pessoas que se desloca ao hospital queixa-se de que se sente só, de que lhe falta dinheiro para os medicamentos, de que tem fome. Há sem-abrigos que vão dormir na sala de espera da Urgência, cabeça repousada em cima de sacos, para fugir do frio. Há idosos sem família, vítimas de maus-tratos, dementes, alcoólicos, gente sem identificação, toxicodependentes e todos os problemas que lhes estão por trás as assistentes sociais do Serviço Social dirigido por Conceição Patrício procuram resolver.

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