terça-feira, 13 de janeiro de 2015

MEIO CHEIO_MEIO VAZIO



Uma meia verdade que esconde uma meia mentira

Será falta de médicos ou antes uma teimosia em manter uma estratégia que não funciona?





A questão preocupante e emocionalmente intensa do afluxo às urgências tem sido abordada com um foco demasiado limitado e pouco orientado para as necessidades de saúde da população. O problema, que de facto se agrava com o período do ano que atravessamos, tem muitos outros focos que não a falta de médicos.
Pode-se destacar a ausência de uma visão salutogénica  do sistema de saúde, como defendida por Antonovsky, nomeadamente o reduzido investimento em promoção da saúde e capacitação das populações e comunidades (uma das principais enfases da Organização Mundial de Saúde), uma resposta em cuidados de saúde primários deficitária, a insuficiente capacidade de resposta da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e de outras estruturas de apoio à população idosa, ou ainda a organização dos serviços hospitalares por camas afetas a especialidades (ou médicos em particular) em vez de se centrarem nas necessidades, mutáveis, das pessoas e das comunidades que servem.
O não aproveitamento dos recursos e das competências em enfermagem (gerais e com maior intensidade, especializadas), definidas e regulamentadas por lei, é também um fator que interessa introduzir se pretendermos encontrar soluções para um problema social e económico complexo e particularmente agressivo para a sensação de segurança e de bem-estar que a população merece. É disso exemplo a resposta do sistema pré-hospitalar que tem afastado os enfermeiros de algumas das suas acções, recorrendo a profissionais menos qualificados e com naturais dificuldades em responder a situações por vezes simples, ou o manifesto atropelo ao cumprimento das dotações seguras em enfermagem por muitos dos serviços do sistema, ou ainda, simplesmente, o completo desrespeito das competências dos enfermeiros portugueses na organização dos serviços e do sistema de saúde, numa intrigante manifestação de miopia quando o investimento feito (que ultrapassa por vezes a dezena de anos de formação) foi também participado na maioria dos casos pelo erário público.
Quanto à falta de médicos, interessa esclarecer os portugueses: segundo o balanço social de 2013 do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2013 observa-se um saldo positivo de 914 médicos e um saldo negativo de 1277 enfermeiros; segundo o Health at a Glance (2013) Portugal apresenta o 5.º melhor ratio médico/1000 habitantes (4,0 para uma média de 3,2) dos países da OCDE, e um dos piores ratio enfermeiro/1000 habitantes (5,8 para uma média de 8,8) nos países da OCDE. O serviço Nacional de Saúde apresenta um assustador ratio enfermeiro/médico de 1,5, quando o aconselhado pela OMS é de 2,5 a 3. Surge a questão: será falta de médicos ou antes uma teimosia em manter uma estratégia de resposta para as necessidades de saúde da população que já demonstrou que não funciona? 
Será falta de médicos ou apenas uma surdez selectiva ao que todos os organismos internacionais (e alguns documentos nacionais) na área da saúde, técnicos e políticos, advogam - uma mudança no perfil funcional e nas responsabilidades dos enfermeiros no âmbito do sistema prestador de cuidados de saúde, centrando os cuidados na comunidade e no cidadão?
Presidente do Conselho de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros


[NB: Sublinhei os 2 § anteriores, para evidenciar, aos que só lêem as gordas, as verdades que é bom que todos os Enfermeiros defendem, mas, sobretudo os representantes da Classe e destes, mormente a Ordem dos Enfermeiros, que tem assistido com relativa passividade ao vexame de os Médicos fazerem de conta que os Enfermeiros não existem e não têm problemas.
O momento de dizer basta já há muito foi ultrapassado.
A diferença da Ordem dos Enfermeiros para a dos Médicos é só no tamanho, quanto aos poderes são iguais, respectivamente. Por isso há que impô-los.
E parabéns pelo artigo e a sua oportunidade: venham mais 5.]
José Azevedo 

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